segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Borratém... e a figueira

Depois do "post" sobre Maximiliano no Rossio e do subsequente "desafio" de Paulo Ferrero (do recomendadíssimo Cidadania Lx) passei à Rua da Betesga (ver abaixo).
Hoje e para não ir muito mais longe detenho-me na vizinha Rua do Poço do Borratém, que da Praça da Figueira e bordejando a encosta parte em busca do actual Martim Moniz.

A actual Rua do Poço do Borratém, ao que consegui apurar e um pouco em contrário do resto da Baixa, não difere muito em percurso (talvez mesmo nada) da rua ali existente antes do Terramoto de 1755. Aliás olhando para o mapa da zona parece que esta e a Rua da Madalena fazem de fronteira entre a baixa de "régua e esquadro" (a pombalina, a ocidente) e a encosta de ruas sinuosas e casario diverso.
Se é arriscado para mim avançar com a época exacta em que se fez a rua (fora da "cerca moura", salvo erro), parece-me mais seguro, depois de alguma investigação (embora algo superficial), avançar sobre qual a origem do seu nome.

Quanto ao poço, claro, não haverá que dar mais voltas. Existiu e, ao que sei, existe ainda o Poço do Borratém, embora hoje "escondido" dentro de um edíficio de origem "pombalina" (onde hoje é um hotel, no nº4). Uma das mais conhecidas referências ao poço (e das mais antigas, penso) encontra-se no Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente. Ali a pobre Maria lamenta-se da escassez de vinho na cidade (que efectivamente terá ocorrido em ano vinícola bastante mau - 1522), andando a pedinchar, pranteando, por uma taça do dito. E numa das tentativas recebe a resposta "Muyta agoa há em Boratém", lembrando que a água lhe mataria bem a viciada sede. Ficando assim a saber que já em 1522 era afamado o poço, sigo agora com algumas pistas sobre a origem do termo "Borratém".

Sem grande surpresa (até pela sua fonética) encontrei elementos que apontam para a sua origem árabe... ou hebraica. Parece-me de esquecer alguma outra ingénua e fácil tentação, como tantas que há por aí, de fazer associar a palavra a "borra-tem".
"Bir" significa poço em árabe, enquanto em hebraico se diz "bor" (mesmo em árabe a pronúncia assemelha-se a esta). Quanto ao resto... "at-tin" significa figueira em árabe. Pelo que "bir-at-tin" significa "poço da figueira". Por sua vez em hebraico (e em virtude da origem comum), poderíamos ter "bor-a-te'enah" ("poço da figueira") ou até mesmo "bor-a-te'enim" ("poço das figueiras").
E aqui, inesperadamente para mim, passo a envolver a história outro local emblemático, a Praça da Figueira. Nas explicações que conheço para justificar o nome da praça é referida, obviamente, uma figueira. Com todos estes elementos é difícil duvidar que na zona existiria pelo menos uma! No entanto refere-se com frequência que a árvore não estaria bem ali mas sim perto do antigo Paço dos Estaus (lado norte do Rossio), onde supostamente seria a última visão para os condenados da Inquisição que pouco depois conheciam o seu destino fatal. Teria vindo daí o nome da praça, contruída depois de 1755. A hipótese que emerge, quanto a mim, é a de que ainda antes dessa época e - sobretudo - antes da construção do Hospital Real de Todos os Santos (1501) poderá já ter existido uma praça da figueira... junto ao "poço da figueira". Em comum, a figueira, embora o nome do poço se quedasse com a versão árabe ou judaica.

Poderá então ter surgido uma praça e o poço da figueira ainda aquando da ocupação árabe? Ali, no meio do casario que se já aninhava contra o exterior das muralhas, não muito longe da Porta da Alfofa? Salvo melhor opinião (e é uma opinião, note-se), creio que não. Até à reconquista cristã corria ainda a céu aberto a ribeira, pelo que não vejo muito sentido nisso. Pelo contrário, creio que tal deverá ter sido após o subsequente estabelecimento da Mouraria (e de uma judiaria também, ao que parece).

De qualquer forma, ali havia uma figueira (uma, pelo menos!)...